SESO Notícias convida os membros da Câmara de Políticas Raciais da UFRJ, a assistente social Sandra Batista e o mestrando em Políticas Públicas em Direitos Humanos/UFRJ e Vitor Matos, para abordarem a temática das “Comissões de Heteroidentificação”.
Por: Sandra Batista e Vitor Matos
Muito se fala sobre as bancas examinadoras (as comissões de Heteroidentificação). Por desconhecimento do tema ou no intuito de desqualificar esse tipo de ação, alguns as intitulam de “tribunais raciais”, onde apenas os pretos retintos teriam o “privilégio” ao acesso às vagas destinadas. Não é o que ocorre.
No Brasil, somente em 2012 as cotas raciais são previstas em Lei e a heteroidentificação foi regulamentada através da Portaria Normativa 04, publicada em 10/04/2018 (MPOG), como complemento à Lei de Cotas de 12.990/2014, com o objetivo de controlar e combater as fraudes nas vagas destinadas aos negros em concurso e acesso aos cursos de graduação.
As cotas raciais foram criadas para efetivar um processo de reparação social histórica com a população negra deste país, onde os negros, depois da abolição de 1888, saíram das senzalas para formar as favelas, pois não houve política pública de inserção social.
Em contraponto a isso, houveram inúmeras políticas de incentivo e fixação criadas para os imigrantes europeus, inclusive com cessão de terras. Também é importante ressaltar que, no período colonial, diversas leis (e outros dispositivos) foram criadas para impedir ou limitar negros nas escolas e cargos públicos.
Assim sendo, a Lei das cotas raciais corresponde a uma estratégia de reparação histórica no Brasil, buscando diminuir a desigualdade racial.
O critério legal utilizado na política de cotas raciais é o mesmo em que se baseou o Estatuto da Igualdade Racial, o fenotípico (características físicas, como espessura dos lábios, formato do nariz, textura do cabelo e, principalmente, cor da pele) em detrimento da ancestralidade.
A Lei é clara ao afirmar que a população negra é formada pelo conjunto de pessoas que se declaram pretas ou pardas. O que valida o uso do privilégio legal é a aparência afrodescendente e não uma alegada ascendência africana.
Como bem aponta o Desembargador Federal Luís Alberto D’Azevedo Aurvalle “para se valer do benefício legal, não basta ser afrodescendente: tem que parecer ser afrodescendente. A sociedade brasileira sempre se utilizou do fenótipo: cor da pele, nariz, lábios, cor dos olhos e tipo de cabelo; para reafirmar as diferenças, para pedir boa aparência para os classificados de emprego, para identificar os supostos suspeitos e nas expressões que inferiorizam outro grupo étnico. A descendência genética nunca foi utilizada e nunca foi atenuante para que os negros deste país tivessem visibilidade social.”
Veja também: Política de cotas raciais, quem tem direito?
Mas afinal, o que é heteroidentificação?
A Portaria Normativa nº 4/2018 considera o procedimento de heteroidentificação como a identificação por terceiros da condição autodeclarada.
O processo de identificação é complementar à autodeclaração dos candidatos negros, a ser previsto nos editais de abertura de concursos públicos e cursos de graduação.
Dito isso, cabe ressaltar que as Comissões de Heteroidentificação são formadas utilizando dois critérios objetivos: diversidade e formação. Os membros da Comissão sempre são escolhidos de forma que proporcione a maior diversidade possível, considerando para isso, principalmente, o gênero, a etnia e a categoria.
Outrossim, na hora da definição da composição da Comissão, ter passado por um período de formação sobre temáticas de promoção igualdade racial é o critério derradeiro.
O procedimento de heteroidentificação é filmado e consiste em uma leitura simples, na qual o candidato apresenta as razões que o levam a se declarar como pessoa preta ou parda, feita em uma sala em frente aos membros da comissão, que são de 3 a 5 pessoas. O candidato sai da sala e a comissão delibera sobre o caso específico, ou seja, se o avaliado é ou não de fato pessoa preta ou parda. A Comissão de Heteroidentificação utiliza exclusivamente o critério fenotípico (características físicas) para aferição da condição declarada pelo candidato.
Referências
BRASIL. Portaria Normativa nº 4, de 6 de abril de 2018. Regulamenta o procedimento de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros, para fins de preenchimento das vagas reservadas nos concursos públicos federais, nos termos da Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Disponível em https://www.gov.br/mdh/pt-br/centrais-de-conteudo/igualdade-racial/portaria-normativa-no-4-2018-regulamenta-o-procedimento-de-heteroidentificacao-complementar-a-autodeclaracao-dos-candidatos-negros-em-concursos-publicos/view
https://www.gov.br/economia/pt-br/assuntos/noticias/planejamento/governo-debate-cotas-raciais-em-concursos-publicos (visitado em 27/06/2020)
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