Autores: Luciene Gustavo Silva* e Reinaldo da Silva Guimarães**
Este artigo tem como finalidade discutir como a Capoeira, enquanto um elemento importante da cultura afro-brasileira, poderá ser utilizada pelo Serviço Social para romper com a cultura dominante e, dessa forma, fomentar Afrocidadanização1 para a população negra, em especialmente para a juventude negra.
A Capoeira tem sido considerada no contexto atual como uma roda; um jogo; uma brincadeira; uma dança ou uma luta, entre outras temáticas, que perpassam ao debate acerca de uma prática que foi marginalizada e discriminada socialmente.
Esse símbolo afro-brasileiro foi reconhecido mundialmente com todas as temáticas como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade brasileira pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN.
Desta forma, este trabalho busca trazer elementos para compreender a capoeira como capital cultural do povo afro-brasileiro e como um instrumento alternativo para que o Assistente Social busque superar os desafios encontrados em seu cotidiano de trabalho, recorrendo a esta cultura como uma possibilidade de viabilizar transformar a cultura e a consciência social da população negra e assim, empoderar e promover à cidadania a esses indivíduos historicamente estigmatizados2 pela sociedade brasileira.
Embora o tema escolhido apresente pouca produção de trabalhos acadêmicos no que tange a relação entre capoeira/cultura afro-brasileira e o Serviço Social, ele possui relevância impar para a academia e para a sociedade, no que se refere a importância de se compreender as relações sociais e a formação cultural dos indivíduos no modo de produção capitalista.
Todavia, trata-se de um tema que requer um novo olhar teleológico, que possa ampliar e suscitar debates na práxis profissional entre à cultura-capoeira e Serviço Social.
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O problema desta pesquisa reside em compreender como o Serviço Social pode utilizar a Cultura afro-brasileira na construção da Afrocidadanização e romper com a cultura imposta pela ideologia dominante que visa desculturalizar a população negra pelo viés do embranquecimento.
Dessa forma, o não reconhecimento da cultura afro-brasileira tem gerado vários conflitos, referentes ao preconceito, à discriminação racial, transitando pela intolerância religiosa, especialmente em relação ao processo interventivo do Assistente Social que, em muitos casos, não compreende que o debate sobre as relações raciais perpassa as expressões da questão social3 .
Assim, a discussão tem como objetivo apresentar o signo da capoeira enquanto instrumento de promoção da Afrocidadanização no processo de trabalho do Assistente Social, no âmbito da Política Nacional de Cultura Viva – PNCV.
A partir deste propósito, torna-se possível transcrever nesta pesquisa seus respectivos objetivos específicos: abordar o contexto histórico da capoeira e suas oscilações, da prática marginalizada e proibida ao reconhecimento da Roda de Capoeira e da Capoeira como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade; e apresentar como o Serviço Social pode recorrer a Capoeira para fomentar a Afrocidadanização da população negra, no contexto da lei 13.018/14 – que institui a Política Nacional da Cultura Viva (PNCV).
Dessa forma, para compor esta pesquisa científica referente à cultura-capoeira na perspectiva do Serviço Social, fez-se recurso a revisão bibliográfica, com o auxílio da pesquisa qualitativa e descritiva, além de efetuadas algumas observações participantes e conversas informais com membros de vários grupos de capoeira, assim, o tema é descortinado em dois eixos:
O primeiro eixo tece considerações sobre a cultura, em especial a cultura negra e a sua relevância como viabilizadora de valores, reconhecimento e empoderamento da juventude negra para a fomentar a Afrocidadanização em uma sociedade globalizada, por meio da capoeira como signo cultural de luta e resistência, apresentando o contexto histórico deste símbolo e as suas oscilações que transcorre nos períodos do Brasil Colonial, até a contemporaneidade onde deixou de ser considerada uma prática proibida e marginalizada como um problema social, ao reconhecimento pelo IPHAN como uma questão cultural.
O segundo eixo traz como discussão a possibilidade da constituição de um novo olhar, um olhar teleológico, na práxis do Serviço Social sobre as relações sociais e sobre as expressões da questão social, recorrendo ao âmbito da Política Nacional de Cultura Viva, tendo a capoeira como um instrumento propositivo, servindo como parâmetro para promover a autonomia e a emancipação da população negra, como elemento fomentador da Afrocidadanização da juventude negra.
Este eixo apresenta ainda, uma significativa discussão sobre a importância da instrumentalidade no processo de trabalho do Serviço Social utilizada como ferramenta pelo Assistente Social, que por meio da sua práxis, atua na intervenção das expressões da questão social, a qual se apresenta multifacetada no que tange ao racismo, e assim, concretizar o Projeto Ético-Político por meio de uma nova perspectiva no contexto de intervenções criativas.
Assim, o que se é procura é descrever uma nova possibilidade de intervenção nas expressões da questão social na práxis do Assistente Social, não só como inclusão social e redução das desigualdades, mas como reconhecimento da cultura afro-brasileira, através do signo da capoeira, no sentido de salvaguardar o patrimônio cultural da população negra e, dessa forma, contribuir efetivamente com a transformação cultural, simbólica, social e material das condições de vida dos indivíduos desta população, especialmente dos seus herdeiros, a juventude negra.
1 – O conceito forjado por Guimarães (2013) representa uma utopia de pensar maneiras de transformar as condições históricas vividas pelos indivíduos da população negra na sociedade brasileira, como alternativa ao que tem sido entendido até hoje a “democracia racial brasileira”.
Afrocidadanização representa uma utopia de pensar maneiras de transformar as condições históricas vividas pelos indivíduos da população negra na sociedade brasileira, como alternativa ao que tem sido entendido como a “democracia racial brasileira”.
Ele pretende dar concretude e incorporar empiricamente, as conquistas dos direitos significativos e pertinentes aos indivíduos em uma sociedade democrática e justa. Ou seja, seria concebido como a realização efetiva da cidadania plena para os indivíduos da população negra, historicamente subalternizados em nossa sociedade.
A concretude da Afrocidadanização representa e abarca diversos referenciais: o reconhecimento da identidade racial como positiva; o reconhecimento do protagonismo da população negra como fundadora e construtora da sociedade brasileira; o direito a igualdade e a liberdade; o direito a diferença; o direito de conquistar os benefícios sociais em igualdade de oportunidades e de condições, ou seja, a Afrocidadanização seria a realização de uma verdadeira “democracia racial”, uma equidade social na qual os indivíduos negros, sejam contemplados e estabelecidos na sociedade brasileira.
2 – Estigma – a situação do indivíduo que está inabilitado para a aceitação social plena (GOFFMAN, 1988, p.4).
3 – “[…] entende-se aqui o conjunto das manifestações (sociais, políticas e culturais) que surgem da dinâmica contraditória do desenvolvimento capitalista que põe e repõe em constante antagonismo os interesses sociais das duas classes fundamentais da sociedade (BRAZ, 2013, p. 82).
*Pós-graduanda em Serviço Social – PUC-Rio; Graduada em Serviço Social pelo Centro Universitário Anhanguera de Niterói (UNIAN) –
E-mail: lucienegustavo.seso2015@gmail.com. CV: http://lattes.cnpq.br/3074567202026864
**Doutor em Serviço Social pela PUC-Rio; Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela PUC-Rio; Mestre em Sociologia pelo IUPERJ; Professor da Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio de Janeiro; Professor Adjunto no Centro Universitário Anhanguera de Niterói (UNIAN) – E-mail: Reinaldoguimaraes_ser@yahoo.com.br. CV:http://lattes.cnpq.br/0847213852963062
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