Mudança de imagem: a valorização da identidade da pessoa negra como Afrocidadanização

No processo de construção da Afrocidadanização, o empoderamento do indivíduo da população negra é um elemento fundamental, que tem nos processos de ressignificação da imagem social da população negra três pontos específicos: as demandas por Reparações, Reconhecimento e Valorização dos mesmos na sociedade brasileira.

Ao recuperar nossas próprias plataformas, ocupar nossos próprios espaços culturais e acreditar que nossa forma de contemplar o universo é tão válida quanto qualquer outra, nós poderemos atingir a qualidade de transformação de que precisamos para participar plenamente numa sociedade multicultural. Entretanto, sem esse equilíbrio centrado, não trazemos nada à mesa multicultural, a não ser uma versão mais escura da brancura.

 Molefi Asante, 1998, p. 8 citado em: Nascimento, 2003, p. 99. 
Foto: Pexels

No processo constitutivo de um devir necessário a Afrocidadanização, uma dimensão fundamental tem sido o empoderamento do indivíduo da população negra, através do fortalecimento e da positivação da sua imagem social.

Dentre as principais ações práticas em curso em nossa sociedade para esse fortalecimento, destaca-se o processo de ressignificação das formas pelas quais historicamente se identificam, se reconhecem e se valorizam os indivíduos da população negra, ou seja, o processo de transformação nas formas pelas quais as pessoas negras são sistematicamente estigmatizadas, desqualificadas e representadas na sociedade, na memória e no imaginário social. 

Como elementos estruturante do racismo, as formas pelas quais historicamente se tem qualificado as pessoas negras, como a utilização de estereótipos pejorativos, imagens subalternizadas nos livros didáticos, com a sub ou ausência de representatividade nos espaços e em funções mais prestigiosas da nossa sociedade entre outros, se constituiu e têm se constituído em instrumentos fundamentais para a formação dos costumes e do habitus cultural nas relações raciais da nossa sociedade.

E esse habitus cultural, que naturaliza as desigualdades raciais, têm se reproduzido, através de uma dinâmica ideológica institucionalizada, através de vários processos socializadores nas diversas instituições sociais, como escolas, famílias, igrejas, entre outras, inculcando, internalizando e socializando os sujeitos, a partir de especificas concepções, valores, práticas, comportamentos, pensamentos e sentimentos, por intermédio das quais se tem perpetuado as discriminações e os preconceitos. 

Esse processo de ressignificação da imagem social da população negra, tem como base três pontos específicos: as demandas por Reparações, Reconhecimento e Valorização. Essas demandas têm sido viabilizadas por meios de diversas ações práticas sociais, produzidas por inúmeros sujeitos e movimentos sociais, através de ações individuais e/ou por intermédio de políticas públicas afirmativas.

Em relação as políticas públicas afirmativas, faremos aqui referência a duas especificas leis, que se relacionam diretamente ao tema tratado nessa publicação, há com certeza outras relevantes leis, sobre as quais falaremos em outras publicações.   

Vamos entender as demandas  

As demandas por Reparações se configuram comoaquelas em que o Estado e a sociedade procuram ou devem efetivar medidas para ressarcir, os descendentes de africanos dos danos psicológicos, materiais, sociais, políticos e educacionais sofridos sob o regime escravista, bem como em virtude das políticas explícitas ou tácitas de branqueamento da população, de manutenção de privilégios exclusivos para grupos com poder de governar e de influir na formulação de políticas, no pós-abolição. 

Já as demandas por Reconhecimento implicam justiça e iguais direitos sociais, civis, culturais e econômicos, bem como valorização da diversidade daquilo que distingue os indivíduos da população negra dos outros grupos que compõem a população brasileira, isto é, diz respeito não só ao valor intrínseco da população negra, mas se refere, em especial, ao reconhecimento social dos indivíduos da população negra como indivíduos que protagonizaram e construíram a nossa sociedade.   

O processo de reconhecimento requer mudanças nos discursos, raciocínios, lógicas, gestos, posturas e no modo de tratar as pessoas negras e exige que se questionem relações étnico-raciais baseadas em preconceitos que desqualificam os negros e salientam estereótipos depreciativos, palavras e atitudes que, velada ou explicitamente violentas, expressam sentimentos de superioridade em relação aos negros, próprios de uma sociedade hierárquica e desigual.

Por sua vez, as demandas por Valorização requerem e exigem respeito às pessoas negras, a sua descendência africana, sua cultura e história, como um meio especifico para  desconstruir o mito da democracia racial na sociedade brasileira; mito este que difunde a crença de que, se os negros não atingem os mesmos patamares que os não negros, é por falta de competência ou de interesse, desconsiderando as desigualdades seculares que a estrutura social hierárquica cria com prejuízos para os negros.

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Entendendo as ações práticas positivas  

As demandas da comunidade afro-brasileira por reparação, reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, passaram a ser consideradas com a promulgação da lei 10. 639/03, que alterou a lei 9. 394/96, estabelecendo a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileiras e africanas, e com a ampliação do alcance dessas leis, a partir das leis 11.645/08 – que discorre sobe a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas de ensino fundamental e básico. Vejamos o que as leis propõem:   

A ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básico, se configura em importante instrumento político de valorização do protagonismo histórico da população negra na formação, construção e constituição da nossa sociedade.  

Como condição de possibilidade para a transformação das maneiras de se perceber a população negra, o ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana para a educação das relações étnico-raciais, tem por objetivo o reconhecimento e valorização da identidade, história e cultura dos afro-brasileiros, a garantia de seus direitos de cidadãos, reconhecimento e igual valorização das raízes africanas da nação brasileira, ao lado das indígenas, europeias, asiáticas, resgatando as suas contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil.

Dessa forma, a Educação das Relações Étnico-Raciais procura a divulgação e produção de conhecimentos, bem difundir atitudes, posturas e valores que eduquem cidadãos quanto ao seu pertencimento étnico-racial – descendentes de africanos, povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos – capazes de interagir e de negociar objetivos comuns que garantam, a todos, ter igualmente respeitados seus direitos,  valorizada sua identidade e assim participem da consolidação da democracia brasileira.

Uma condição sine qua non

A proposta de ressignificação na maneira de se perceber a imagem social dos indivíduos da população negra, através do seu empoderamento, como condição de possibilidade para a mudança do habitus cultural racial da sociedade brasileira, se configura em importante luta política, contra-hegemônica e como condição sine qua non para a construção de uma sociedade mais justa e democrática racialmente e, por conseguinte, para a materialização da Afrocidadanização


Referências Bibliográficas

BRASIL. Decreto – Lei n° 11.645, de 10 de março de 2008– altera a Lei nº 9.394 de dezembro de 1996, modificada pela Lei nº 10.639 de 09 de janeiro de 2003, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena”. Diário Oficial da União – seção 1 – 11/3/2008, página 1 (publicação Original). Câmara dos Deputados – Legislação Informatizada – Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm > (Acessado em 05 de maio de 2019 às 18h50min).

_______. Estatuto da Igualdade Racial. Lei 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o estatuto da Igualdade Racial; altera as leis nos 7.716, de 05 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 04 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. Diário Oficial, Brasília, DF, 20 jul. 2010.

_______. Decreto – Lei nº 13.018, de 22 de julho de 2014. Instituiu a Política Nacional de Cultura Viva e dá outras providências. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para assuntos jurídicos. Planalto. Brasília, 22 de julho de 2014; 193º da Independência e 126º da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13018.htm (Acessado em 20 de maio de 2019 às 13h24min).

GUIMARÃES, Reinaldo da Silva. Afrocidadanização: ações afirmativas e trajetórias de vida no Rio de Janeiro.Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio; São Paulo: Selo Negro, 2013.

NASCIMENTO, Elisa Larkin. Sortilégio da cor: identidade, raça e gênero no Brasil. São Paulo: Summus, 2003.

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